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sábado, 11 de novembro de 2017

Desenganados

Em meados da década de 1990 eu era adolescente e meu irmão mais novo criança. Certo dia tocou o interfone lá em casa, a voz de um menino anunciou:

“Você é a mãe do Guilherme Serrate?” – O nome do meu irmão.  Minha mãe respondeu que sim e a voz prosseguiu: “Seu filho foi atropelado lá na rua”, e desligou o interfone. Minha mãe se apavorou, lembro de ter ouvido lá do meu quarto ela gritar:
Deus do céu”, e sair descendo a escadaria do jeito que estava. Morávamos no segundo andar, eu corri para encontrar minha mãe. Ela me explicou a história, eu apressei o passo e corri na frente dela para ver se encontrava meu irmão. 
Já fui imaginando o pior, que encontraria ele ensanguentado no meio da rua com muitas pessoas em volta.
Quando chego embaixo do bloco, lá está meu irmão encolhido perto do microfone com uma risadinha de quem está fazendo coisa errada.

 Minha mãe ficou tão nervosa que não reconheceu a voz do próprio filho no anúncio mórbido do interfone. Ela chegou em seguida e de tanto alívio não conseguiu nem brigar com ele, deu um abraço e levou o moleque pra casa.

É um senso de humor meio mórbido de uma criança, querer fazer a mãe achar que morreu, mas enfim, é uma criança.

Anos depois tive um outro aviso da morte de um amigo. Eu estava trabalhando quando recebi a ligação da ex – namorada dele dizendo que estava preocupada de que ele fizesse “alguma besteira”. Pensei: “Ah, o Rogério não faria isso. 
Se suicidar por causa dessa garota? Não.”, mesmo assim ficou a dúvida. Ela explicou que tinham acabado o namoro e que ele tinha ficado meio doido e que poderia fazer “alguma coisa ruim”. 
O ser-humano perde controle algumas vezes, concluí. Sai do meu ambiente de trabalho e disquei o telefone sem parar para esse amigo esperando que ele atendesse.
 Quando finalmente atendeu, tudo estava bem. Ele era parceiro de produção de filmes, e eu já atendi a ligação falando “Oh Rogério, não vai fazer nenhuma bobagem, temos muitos filmes pra produzir ainda nessa vida! Esquece essa guria! Mulher vai embora mas chega outra! Fica relaxado! Não vai fazer nenhuma besteira”. 
Ele não entendeu direito, e explicou que não estava pensando em suicídio nem nada disso. Ri da situação, mas sempre bate o desespero de ver alguém próximo passar por uma situação com essa.

Manifesto em Prol da Bagunça parte 3

Sejamos, pois, breves: Os papéis que ficam de um lado e do outro, totalmente desordenados (não bagunçados) não são um simples amontoado de papeis, mas um método estudado com rigor científico que facilita em 100% a acessibilidade e a achabilidade de qualquer papel que você queira. 

Os livros no chão não te deixam perder o calor da pesquisa. Aquele pé de meia dependurada na cama promove um equilíbrio perfeito com aquela cueca pendurada num prego qualquer.

As roupas importadas para revenda desdobradas são fáceis de guardar e pegar, além do que elas sempre ficam desorganizadas por ordem de uso e refletem o seu estado emocional. E a ordem, além de medíocre, é hipócrita. 

A ordem camufla o seu verdadeiro eu. Não há nada mais revelador da alma humana. A bagunça… oops, desculpem, a organização excêntrica, é a alma humana! Mas, e o violão que sai de recônditos estranhos? Podem se perguntar alguns mais observadores. Simples: o processo de organização excêntrica ocorre com o decorrer do tempo. 


Não adianta tentar imitar ou reproduzir um ambiente excentricamente organizado. Primeiro porque sempre corre-se o risco – e certamente ocorrerá- de se criar certas estéticas que imitem os padrões organizacionais pré-estabelecidos pelo sistema e assim você terá uma bagunça organizada, o que não é bom.

A verdadeira organização excêntrica é fruto da ordem natural do tempo e cada par de meia é um fato específico e especial que ocorreu.

 Cada mochila jogada displicentemente num canto é um sentimento duramente construído ao longo do tempo e tudo começa desde a primeira camisa que não se dobra. Desde o primeiro lençol que não se troca.

 Desde o primeiro tênis que não se lava à primeira bronca da mamãe. E o violão? Ah, o violão, bem… no começo o violão é posto num “lugar plausível”, mas o processo de excentrização organizacional faz com que os outros objetos se apossem inadvertidamente daquele lugar, fazendo com que logo não se imagine como ele foi parar lá e quanto mais o seu violão se afoga nesse mar abjeto de objetos

mais você emerge das amarras do sistema e, logo, a bagunça passa a ser um retrato fiel da personalidade e da vida de um homem e uma grafia da história, que nenhum livro, nenhum filme

nenhuma canção jamais retrataria além de ser uma composição digna de uma bienal que nenhuma dessas modernosas instalações com acentos de duvidosa contemporaneidade superaria! Eu acredito, inclusive, que todo esse lero-lero padronizador é uma conspiração do vaticano para que as pessoas nunca evoluam.

 Para que a ordem faça elas se desconhecerem, pois já dizia a sentença na entrada do Templo de Delfos: Conhece-te a ti mesmo! e se amarrarem é, enfim, para que a ciência nunca evolua o bastante a ponto de as pessoas substituírem deus – essa poderosa máquina de caça-níqueis – pela razão e pelas máquinas. 

Então, a organização excêntrica é, sim, um meio de vida saudável e a sua renúncia é o grande e definitivo mal da humanidade. Portanto: Bagunceiros de todos os tempos uni-vos, amém!Altas da madruga tentando e não conseguindo acabar esse texto que começou de tardezinha e interrompeu-se inúmeras vezes…

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

pesquisas

Na verdade, os cobertores estão desdobrados não por descuido ou desleixo, mas por uma mera questão da estética que reproduz um ninho aconchegante, acolhedor… E, por outro lado, mesmo nas noites mais frias você terá a certeza de que o seu cobertor ainda conserva o calor da noite anterior, o que lhe poupa muitas horas de frio. 

Pesquisas científicas realizadas em Oslo, Noruega, provaram que quando o cobertor de fato se aquece, você já está no oitavo sono e quando ele alcança a temperatura ideal, geralmente está na horta de acordar.

Portanto você dorme mal e tem de acordar justamente quando o cobertor está no ponto; você tende a tentar fazer valer a pena as penosas horas tentando aquecer o cobertor e a reação imediata é tentar prolongar este momento e aí, em tendo sucesso

 acaba por perder o colégio e aquele trabalho de geografia valendo um notão, ou chegar atrasado ao trabalho e por aí vai e, em sendo frustrado, você vai ficar o dia todo com remorsos ou sentindo falta de algo. 


E tudo isso porque você achou que ficaria mais, digamos… Padronizado! Pois na verdade, e aí esta uma coisa que eu deveria ter dito desde o começo: quanto maior a organização de uma pessoa, tanto maior o seu nível de mediocridade, sendo que ela é fruto e reflexo, primeiro de uma acentuada fraqueza de mente e de espírito

tendo que a pessoa em tais condições, dotada também de uma enorme insegurança, não consegue se adaptar e se sentir segura em um ambiente tão mais complexo, chegando a sentir-se ameaçada e procurando assim sempre os padrões e a retilineidade e, de preferência, a simetria, o degradê ou simplesmente a ascendência e descendência. 

Enfim, a pura mediocridade, ao passo que a bagunça, ou organização excêntrica, é muito mais uma sofisticação, um depuramento, uma evolução. E olha que eu ainda estou no quesito cobertor…

Manifesto em Prol da Bagunça [Devana Babu]

O texto a seguir é do jovem escritor Devana Babu.
Senhores pais, mestres, professores antiquados de geografia, fifis, otários, vacilões, patrícios pós-romanos e patricinhas de todos os credos, não-credos, gostos, raças, etnias, culturas, classes e de todas as ordens: engulam, cuspam, e engulam de novo suas palavras injuriosas!
 Há incontáveis tempos, desde a mais remota antiguidade, dezenas de centenas de milhares de pessoas, como eu, são criticadas por seus hábitos de organização não muito padronizados. Ao longo de eras vimos sendo oprimidos, incompreendidos, rotulados e forçados a adotar os hábitos de organização antiquados desses que nos oprimem (especialmente a nós que ainda não dispomos de liberdade jurídica, econômica, nem de pensamento, nem de ir à esquina, nem de comer jujuba, nem de existir, nem de… ).
Mas nós não aceitamos mais essa condição! A retilineidade não é sinônima de organização! Livros em ordem de tamanho não é sinal de organização! Cuecas e meias separadas por cor e tamanho, e camisas engomadas e em degradê não são, porcaria!, sinal de organização. E, principalmente, padrões alternativos e paralelos a eles não são, necessariamente, desorganização.
 Vocês, vermes imundos, com seus preconceitos e idéias formadas, vem atrasando significativamente o futuro do País! Quiçá do mundo! E, em especial, quando denominam de bagunceiros os adeptos dessas práticas.
Senhores, creio que tal injúria deve ser extinguida de imediato de nossos dicionários. Expressões do tipo: “Aí. deve ter até rato!”/ ou: “Cuidado para uma cobra não te picar!”; ou simplesmente “Se você achar alguma coisa aí nessa BAGUNÇA!” devem ser medidas com mais cuidado.
É evidente que nós podemos achar qualquer coisa que quisermos em nossos tipos atípicos de organização. E se, eventualmente, não achamos uma caneta ou aquele CD da Legião, isso é uma fatalidade que pode acontecer com qualquer dito organizado fazendo com que aprendam como importar produtos legalmente
 Se vocês quiserem, façam a experiência, da qual eu sei que não vão se esquecer, embora talvez seja pedir demais para suas mentezinhas pequenas e quadradas: ousem, quando tiverem a oportunidade, cruzar o sumo santuário e antro do modo de organização excêntrico: o quarto de alguém com tais características. Logo no primeiro contato, eu sei, lhes será um choque de proporções absurdas. 

Toalhas penduradas em quadros, deveres de casa sobre a cama, livros pelo chão fazendo verdadeiras escadas giratórias, papéis amontoados e saltando das prateleiras, cobertores desdobrados misturados com meia dúzia de CDs e uma mochila aberta, tendo parte do seu conteúdo desmascarado, ou – por que não dizer – derramado, esparramado… Roupas desdobradas e amontoadas, violões emergindo de buracos em que você imagina:”como é que ele entrou ali?”. 
e por aí seguem as visões dantescas. E até admito o termo “visões dantescas”, pois é uma mera forma de me fazer entender pelos vis possuidores de mentes arcaicas. Mas bagunça, não!